Hoje em dia, o METALLICA  é chamado apropriadamente de ‘monstro do Metal’. Mas esse nem sempre  foi o caso. Depois de descobrirem que sua cidade natal não era receptiva  ao estilo de metal deles, a formação daquela época (JAMES HETFIELD,  LARS ULRICH, RON MCGOVNEY e DAVE MUSTAINE) foi pra Los Angeles no começo  dos anos 80 para cavarem sua trilha na cena musical. Eles arrebataram  seguidores, mas se viram batalhando contra as ascendentes bandas de  ‘hair metal’ pela verdadeira dominação. Então eles voltaram para a Bay  Area, onde fizeram um show com a banda TRAUMA, cujo baixista, CLIFF  BURTON, juntaria-se ao Metallica pouco depois, substituindo Govney.
Enquanto  isso, em Nova Iorque, uma cópia ‘ No Life Til Leather’ (sua demo de  1981) chegou à loja de discos de Jon Zazula, muito bem batizada como  ‘Metal Heaven’. Zazula logo financiou o Metallica pra que o grupo fosse até a costa leste e fizesse alguns shows e gravassem um disco.
Rumores  sobre a verdadeira razão pela qual Mustaine foi chutado da banda depois  de algumas semanas na Grande Maçã abundam, mas o guitarrista foi  mandado de volta e substituído pelo guitarrista Kirk Hammett. O Metallica lançou ‘KIll’Em All’ e ‘Ride The Lightning’, e em 1986, ‘Master of Puppets’ os ajudou a obter uma vaga abrindo para Ozzy Osbourne.  Mas a euforia logo deu lugar à dor quando um acidente inusitado de  ônibus matou Burton. Ainda assim, a banda se recompôs, recrutando Jason  Newsted para o cargo. Eles de cara lançaram um EP e em seguida seu  quarto disco ‘full length’, ‘… And Justice For All’. È nesse ponto que  vemos a banda à beira de pisar no mega-estrelato mundial.
Em 1989,  a banda chamou o produtor Bob Rock, com quem não tinham trabalhado  antes, para ajudar a esculpir sua próxima obra-prima. Rock tinha acabado  de produzir ‘Dr. Feelgood’, do Mötley Crüe, e os membros do Metallica  queriam reproduzir os mesmos timbres de freqüências graves obtidas  naquele disco. Rock trouxe o engenheiro Randy Staub pro estúdio One on  One em North Hollywood para começar o longo e árduo processo de gravação  do que se convencionou a chamar de ‘The Black Album’ e seu primeiro  single, ‘Enter Sandman’.
Não só a banda estava trabalhando com  novos tipos criativos, mas Rock e Staub trouxeram consigo uma nova  maneira de gravar um disco. “O processo foi muito diferente de qualquer  outro disco no qual eu trabalhei – ou desde então – no que diz respeito a  eles terem gravado seus discos anteriores é que eles construíam uma  trilha click porque havia muitas diferenças de tempo na estrutura das  músicas deles na época”, diz Staub. “James ia e tocava uma parte de  guitarra, e daí Lars ia tocava bateria em cima daquilo, mas ele não  tocava do começo ao fim. Ele tocava a primeira estrofe até acertar e daí  parava e fazia o refrão e parava e começava de novo até que eles  tivessem uma trilha de bateria. E daí eles faziam o que se chama de ‘air  cuts’: você removia fisicamente um pedaço da fita à frente de uma  batida, um bumbo, e isso coloca o bumbo no tempo certo. Então depois que  Lars terminava as trilhas de bateria, James ia lá e tocava todas suas  partes de guitarra, e daí ele gravava a voz, e daí colocavam o baixo por  último. Todo mundo tocando separado, ninguém tocava junto.”
Mas  para o Black Album, Rock e Staub queriam ter os quatro membros tocando  juntos na mesma sala. “Eles achavam que era muito trabalhoso”, diz Rock,  “e eles não entendiam isso. Essa era a única maneira que eu sabia fazer  um disco. Pra mim, tratava-se de capturar o sentimento que eles  queriam. Eu achei que havia esse peso e volume e corpo neles que eu  nunca tinha captado nos outros discos; não estou dizendo que eles não  tinham. Eu acho que foi mais difícil pra Kirk trabalhar comigo porque  ele tinha que tocar os solos em cada tomada, mas no fim das contas,  quando era hora de tocar os solos, nós ouvíamos a tudo direto, e ele  teve muitas de suas idéias por causa disso.”
Bob e Lars
“Era  raro pra eles estar numa mesma sala e tocar todo mundo junto,” emenda  Staub. “Mas do jeito que eles gravam as músicas, é uma forma de  construção. Eles nunca tocam uma música do começo ao fim. Os caras tocam  as partes deles e Lars tocava e sentia a melodia. Fazíamos isso em  dois, três rolos de fita (em um gravador Studer de 2 polegadas) e daí  gravávamos o refrão e depois as viradas de bateria. Eventualmente,  tínhamos todas as partes gravadas e daí Bob e Lars as escutavam e faziam  uma tabela das partes que eles queriam. Eu ia lá e emendava as fitas  uma na outra – cortar a fita fisicamente e adesivá-las com fita para  fazer o que é quase a trilha final de bateria.”
“A fita era tão  emendada, eu tinha medo de tocar ela porque quase toda batida tinha um  corte em cima. Nós a transferimos para uma máquina digital 3224 na época  e aquela se tornou a trilha master de bateria, e dela James tocou suas  guitarras, as linhas de baixo foram gravadas logo em seguida e daí os  overdubs. Era como uma ‘edificação’. Todo esse processo demorou, ah,  semanas (risos).”
“Eu não acho que Randy já tinha editado fitas  desse modo,” diz Rock. “O modo no qual estávamos editando as fitas é  como muitas pessoas fazem agora no Pro Tools. Cortávamos muito; é  lendário. «risos» Havia tantos cortes na fita analógica que tivemos que  transferi-la para um console digital de 24 canais da Sony porque não  conseguiríamos tocar aquela fita muitas vezes sem arrebentá-la. Essa  Sony foi a primeira máquina digital com a qual me senti à vontade.”
Fica  difícil dizer como exatamente eles gravaram “Enter Sandman”, porque a  banda pulava de uma música pra outra, trabalhando em cima da bateria  primeiro. “Eu acho que gravamos metade do disco primeiro e isso durou  três meses,” diz Staub. “E daí começamos a fazer overdubs e demos uma  folga pro Lars. E daí voltamos e fizemos a segunda metade do disco. O  disco inteiro tomou seis dias por semana, por meses a fio.”
Randy Staub
De  acordo com Rock, a demo de “Enter Sandman” tinha o riff e a levada  basicões, mas os arranjos foram trabalhados muito na pré-produção.  Originalmente, a primeira letra de Hetfield falava abertamente sobre  morte súbita no berço. “E eu tive o maravilhoso encargo de dizer a ele  que a letra não tava muito boa, que ele poderia melhorá-la.”, diz Rock.  “Eu disse a ele, ‘eu acho que você pode achar uma maneira de dizer o que  quer sem ser tão direto’. E isso foi o começo de uma maravilhosa  amizade.”
Quando Hetfield voltou pra prancheta das letras, ele  veio com a ideia de colocar uma oração infantil clássica no meio da  música. Então durante a pausa pro Natal, Rock e seu filho, Mick, foram  até seu estúdio caseiro e gravaram a letra: “Now I lay down to sleep/I  pray the Lord my soul to keep…” Ao voltar pro estúdio depois da folga,  rock tocou a gravação para Hetfield, que ficou feliz com o resultado.
Rock  e Staub gravaram através do SSL do One on One usando vários  pré-amplificadores de microfone Neve. Quanto à sala, ela precisou ser  tratada um pouco já que tinha muitas superfícies macias, então Staub e  Rock cobriram tais superfícies fisicamente com placas de compensado [com  um lado pintado] para criar uma sala mais ‘viva’ para Ulrich. Muita  atenção foi dada a detalhes do enorme kit de Ulrich, usando mais de 50  microfones para dobrar e triplicar a microfonagem do kit e da sala.  Entre os outros microfones estava o Neumann FET para a voz de Hetfield  [apesar de ele ter feito a trilha com um 57]. “James tinha uma técnica  muito específica para cantar,” conta Staub. “Ele queria cantar muito  mais do que nos outros discos – e muito disso veio de Bob.”
Uma  vez que as trilhas de bateria foram gravadas, a sala de gravação ao vivo  foi posta em uso para Newsted gravar o baixo – que tocou por meio de  algumas caixas SVT e um DI. A guitarra de Hammett, ele tocou com  amplificadores Marshall com cabeçotes Mesa-Boogie.
O setup de  guitarra de Hetfield era um pouco mais intenso: “Nós acabamos  construindo esse gabinete enorme de guitarra pra ele,” diz Staub. “Acho  que ele tinha um cabeçote Marshall antigo, e essa era só uma parte do  som. Eu acho que o setup padrão dele era esse cabeçote Mesa-Boogie e  todos esses outros amplificadores que estavam lá para dar mais corpo ao  som. Geralmente dava num tom meio cavado. Eu acho que tínhamos nove ou  onze gabinetes – uns empilhados em cima dos outros, uns abafando um ao  outro – e daí construímos essa enorme barraca em volta dessa pilha de  gabinetes acortinados porque enquanto dávamos forma ao som de guitarra  de James, ele ficava dizendo, ‘eu quero que tenha mais crunch’ E pra mim  e pra Bob, o crunch era um lance mais hi-end, mas pra ele, crunch era  essencial. O que ele queria era que quando ele tocasse as cordas baixas,  ele queria que elas ressoassem mais. E a única maneira de conseguir  isso era acortinando essa sala pequena em volta dos gabinetes e  colocávamos alguns microfones a uma distância maior para conseguir um  pouco de ambiência.”
Essa atenção minuciosa permeou a produção do  Black Album, e Staub dá um exemplo: “Quando nós estávamos gravando a  bateria, nós mudávamos a pele da caixa oito, dez vezes ao dia, e ele  tocava dois ou três takes naquela pele. E daí tava na hora de trocar a  pele, eu pegava uma amostra de como a caixa soava e daí de 30 minutos  até duas horas para encaixar o som daquela caixa nova com o som da  anterior.”
Outro exemplo: “Com a guitarra de James, nós chegamos  ao ponto em que, ao invés de tocar aquela parte de guitarra do começo ao  fim da música, nós tocávamos do começo até o refrão, mudávamos as  cordas, e daí fazíamos a dobra do começo até o refrão. Desse modo, as  cordas estavam boas quando chegávamos ao fim da música. E demorava dias  pra fazer isso.”
“Enter Sandman” foi a primeira faixa a ser mixada  nos estúdios A&M [Hollywood]. No console SSL 4000 deles. E até a  mixagem foi um estudo de perfeição microscópica. “Uma das grandes coisas  naquela época era que eu usava o compressor da SSL como compressor  ‘bus’”, diz Rock. “Mas James não gostou do que aquilo fazia com suas  guitarras, o que me fez ter que repensar a maneira que mixo. O que eu  bolei foi, o fato da SSL ter três buses principais. Então eu poderia  colocar o compressor da SSL pra bateria e pro baixo, e eu poderia deixar  as guitarras sem compressão, que é o som de James. Esse é o grande  segredo do som daquele disco. É por isso que ele tem aquele peso.”
Nessa  altura do campeonato, Rock, Ulrich e Hetfield estavam no timão,  decidindo sobre como o som da mixagem tinha que ser. “Lars era meio  maníaco quanto ao pico do bumbo dele. Nós batizamos esse som de ‘bumbo  vocalista’,” conta Staub enquanto ri. “Por vezes era uma briga entre  James e Lars: James queria mais guitarra e Lars dizia que não havia  pratos suficientes. Nós passamos tanto tempo em cima dos sons quanto  passamos gravando. O som foi ajustado na gravação, não na mixagem. Eu  acho que passamos um mês mixando.”
Rock acrescenta: “o que é grandioso sobre o Metallica  é que eles têm essa postura que nós temos que fazer algo magnífico; nós  temos que quebrar barreiras em termos do que as pessoas acham que é bom  e não estamos dispostos a nos comprometer. No fim, nós precisávamos  meio de que um chute na bunda para terminar o disco. Pelos últimos  quatro ou cinco dias, eu acho que Randy e eu estávamos sobrevivendo à  base de chiclete e café.”
E algum deles tinha alguma noção do  sucesso que “Enter Sandman” – e o Black Album- teriam? “Eu, com certeza,  não,” responde Staub. “Eu sabia que era um disco muito bom, mas quando  ele foi finalizado, eu estava tão esgotado que eu não tinha nenhuma  visão clara dele. Mas eu sabia que ele era muito bom. Eu tenho orgulho  daquele disco – especialmente do tanto de tempo que eu trabalhei nele.  Bob e eu brincamos que nós nunca nos recuperamos completamente daquele  disco.”
“Quando você está dentro do lance, você não sabe como vai  acabar soando”, diz Rock. “Eu só estava tentando ajudá-los a fazer o  álbum que eles tinham na mente deles da melhor maneira que eu podia. E  no fim, eu disse a eles, ‘Isso é ótimo, mas não me liguem mais [risos].  Eu não vou fazer isso de novo.”
Mas isso, obviamente, não era verdade, já que Rock e o Metallica  continuariam a fazer discos juntos por vários anos – mesmo ao longo da  saída de Jason e a introdução de Robert Trujillo. A banda e Rock se  separaram depois de acabarem a produção de ‘St. Anger’ [2003]. Rock  continua a produzir muitos grandes discos.
Staub também trabalhou  em ‘Load’, ‘Reload’, e ‘Garage Inc.’ e desde então fez um belo nome pra  si próprio, chegando a ser indicado para o Juno Awards como Engenheiro  Fonográfico do Ano por nove vezes e ganhando em 2002 por seu trabalho em  ‘How You Remind Me’ e ‘Too Bad’ do Nickelback. Ele ainda vive e  trabalha em Vancouver, trabalhando com artistas como o Stone Sour, Avril  Lavigne e Alice In Chains.
 
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