O ano de 1986 representou um período onde o Metallica experimentou  emoções extremamente fortes e antagônicas. De início, a banda viveria a  alegria e euforia geradas pelo lançamento de “Master Of Puppets”, que se  colocava como o maior sucesso da banda até então, em termos de público e  crítica, um álbum tido até hoje pela maioria como o ponto mais alto da  carreira do grupo e que se tornaria um dos maiores clássicos da história  do metal. Entretanto, todo aquele sucesso, loucura e excitação que  continuariam na turnê que se seguiu ao lançamento do disco sofreriam um  golpe pesado demais quando, no dia 27 de setembro daquele mesmo ano, um  acidente com o ônibus da banda numa viagem na Suécia encerraria a  carreira do lendário baixista Cliff Burton, num dos eventos mais  trágicos e tristes já ocorridos envolvendo uma banda de heavy metal.
Você pode estar  pensando agora, “o que diabos esse sujeito está escrevendo? Como chamar  de injustiçado um disco que foi um grande sucesso comercial, que a  maioria dos fãs do Metallica  gosta, que inclusive representa para alguns mais radicais um divisor na  carreira da banda, já que existem aqueles mais puristas que consideram  que o ‘verdadeiro Metallica’ é aquele do ‘...And Justice...’ pra trás?”.  É exatamente isso que tentaremos discutir nas linhas a seguir.
Não  é o objetivo aqui entrar no mérito de discutir se os quatro últimos  trabalhos da banda são melhores, piores ou do mesmo nível que os  primeiros quatro discos. Apesar disso, não é segredo para ninguém que  existe um considerável número de pessoas que repete insistentemente que  os melhores álbuns do Metallica  são justamente os gravados no período de 1983 a 1988. Mesmo assim,  qualquer um que já tenha conversado sobre o assunto “Metallica” ou  procurado informações sobre a história e obra da banda, sendo fã ou não,  já ouviu coisas como “o Metallica  acabou depois do ‘Master’”, ou “a banda gravou três clássicos absolutos  e ainda tem o ‘...And Justice...’, que também é bom”. É justamente  nesse ponto que começa a análise desse disco. O que sempre se observou  de boa parte das pessoas é que se houvesse como estratificar a obra de  James Hetfield e cia. por níveis, “...And Justice For All” ocuparia uma  posição intermediária. É como se no lugar mais alto de um suposto pódio,  “Kill 'Em All”, “Ride The Lightning” e “Master of Puppets” estivessem  juntos, enquanto “...And Justice...” ficaria num segundo plano, acima de  todos os demais álbuns da banda, mas num nível diferente e bem atrás  das três primeiras obras já citadas. A questão que devemos analisar é  se, opiniões pessoais à parte, esse trabalho de 1988 realmente está em  um nível inferior ao da “trilogia sagrada” da banda.
Esse quarto  álbum do grupo já gerou todos os tipos de comentários, histórias,  lendas, teorias absurdas e folclores que se possa imaginar. Na verdade,  histórias curiosas (verídicas ou não), acerca desse período da carreira  do Metallica  vêm de antes de seu lançamento. Já se falou que o verdadeiro teste para  Jason entrar na banda foi ver até onde ele conseguia beber, já se falou  que a bateria do disco teria sido gravada por Dave Lombardo, já se  falou que o baixo quase inaudível desse disco seria fruto da vontade de  Hetfield e Lars Ulrich, após compararem o som do novo integrante com o  de Cliff Burton.
Mas vamos aos fatos. “...And Justice For All” é  uma obra que honra cada letra da palavra ‘metal’, tanto na sua temática  quanto na execução. Um misto de desolação e raiva são a constante no  clima desse disco e que o transformam num dos trabalhos mais originais e  bem executados da banda. Por mais que esse álbum já tenha recebido  elogios, o que se falou até hoje é pouco diante de sua qualidade. As  críticas que sofreu e que ainda sofre por parte de alguns fãs, bem como o  já citado ‘segundo plano’ em que ele é colocado quando comparado aos  seus antecessores já são motivos de sobra para que se possa apontá-lo  como um disco injustiçado. Ainda que os três primeiros trabalhos da  banda guardem muito mais semelhanças entre si do que com o disco de 88 e  ainda que o gosto pessoal da maior parte das pessoas aponte para uma  primazia de “Kill”, “Ride” e “Master”, “...And Justice...” pode ser  considerado como uma obra de mesmo nível ou, pelo menos, bem próximo.  Não é questão de dizer que ele é melhor ou pior, é apenas observar que  não está tão abaixo dos seus antecessores como muito se alardeia até  hoje, de forma que, sob essa ótica, o status de clássico poderia caber a  ele tanto quanto aos trabalhos que o precederam. Ao contrário do que se  possa pensar, esse quarto álbum da banda foi aquele que mais  representou uma variedade no seu som e incorporação de novos elementos  desde o “Kill 'Em All”. Veja bem, antes de tentar me acertar uma  pedrada, não estou falando em ter mais ou menos qualidade que os  antecessores, estou dizendo que foi o álbum mais diferente da banda até  então.
Certas coisas, algumas das quais fogem ao âmbito estrito da  música, podem ter contribuído para que a avaliação sobre “...And  Justice For All” nem sempre tenha sido a melhor possível. A coisa já  começa pela ausência de Cliff Burton, passando pela maior complexidade  musical e, em decorrência disso, maior cadência desse álbum, e  repousando, sobretudo, naquilo que os mais radicais têm dificuldades em  aceitar, que é o fato de “...And Justice...” representar o embrião do  flerte do Metallica com o mundo do mainstream. “One” foi a música que representou a entrada do Metallica  nos meios de comunicação para as massas, como rádios e MTV, fazendo a  cabeça de muita gente já à época de seu lançamento, inclusive de muita  gente que não tinha a menor noção do que era o heavy metal. Por meio  dele, a banda conseguiu o melhor resultado comercial de sua carreira até  então, debutando no 6º lugar na parada da Billboard. Além disso, foi  indicado ao Grammy Awards de 1989 na categoria “Melhor Performance Hard  Rock/Metal” (perdeu para o Jethro Tull). Isso foi um prato cheio para  que se apontasse o dedo para a banda, acusando-a de estar se vendendo,  ainda mais quando se lembrava que o Metallica repudiava até então coisas como esse tipo de divulgação do trabalho. Mas e o principal? E o álbum em si, como é? 
Muitas pessoas afirmam sem pestanejar que esse álbum representa o ápice da banda em termos de desenvolvimento técnico. O som do Metallica  havia se tornado algo bem mais complexo, com variações de andamento,  mudanças e quebras inesperadas de ritmo, além de uma rifferama nada  menos do que excepcional. O trabalho de bateria feito por Lars Ulrich  nesse disco é memorável, os riffs e solos são bastante inspirados, o  vocal de James Hetfield mantém a agressividade de outrora, mas aqui  aparece mais encorpado e adulto. O grande senão dessa obra ficou  justamente por conta do baixo quase inaudível. Entretanto, esse trabalho  traz canções tão bem elaboradas que nem mesmo a pouca percepção de um  instrumento tão importante como o baixo foi capaz de macular toda a  qualidade do disco. O som mais elaborado acabou resultando em um álbum  duplo, mas com apenas nove canções, muitas das quais enormes, só que com  variações intensas dentro de cada música. Tal fato fez com que algumas  pessoas avaliassem que esse som mais complexo havia implicado numa perda  de peso em relação aos trabalhos anteriores. Todavia, se tem uma coisa  que não falta a “...And Justice For All” é peso. O disco é, em vários  pontos, mais cadenciado e isso sim pode ter sido um fator a mais na  avaliação nem sempre favorável ao álbum. A própria banda já assumiu que  sempre teve dificuldades em reproduzir ao vivo as canções desse álbum  que, apesar disso, gerou uma das turnês mais bem sucedidas da carreira  dos caras. 
A história toda se inicia com “Blackened”, uma paulada  que já começa a impressionar desde a introdução, onde foi captado o som  de várias guitarras para depois ser rodado ao contrário, obtendo um  efeito sonoro fantástico. Além disso, a música se estende com riffs  matadores, num excelente trabalho dos guitarristas e com o vocal  agressivo de Hetfield. Os violões que dão início à faixa-título precedem  os mais de nove minutos de porrada, riffs agressivos, variações de  velocidade e ritmo, além de melodias obscuras, numa grande música. O  riff com volume crescente na introdução e o refrão bem sacado dão o tom  de “Eye of the Beholder”. “One” foi o primeiro single do álbum, uma  canção, como dito anteriormente, que fez a cabeça de muita gente na  época do lançamento, inclusive por ter representado a primeira incursão  real do Metallica  no mainstream. Este fato, associado à intro e primeira parte mais  lentas e suavizadas provocaram os primeiros narizes torcidos de forma  mais contundente em relação à obra do Metallica,  o que não anula a beleza e qualidade da música. Ponto principalmente  para James Hetfield e a excelente interpretação que deu a uma das  melhores letras da carreira da banda. As boas “The Shortest Straw” e  “Harvester of Sorrow”, bem como a excepcional semi-instrumental “To Live  is to Die” (uma homenagem a Burton) mostram toda a maturidade do Metallica  naquele momento. Ainda completam o álbum duas das músicas mais  injustiçadas da banda. “The Frayed Ends of Sanity” é uma das melhores de  “...And Justice For All” e, no entanto, é uma das menos comentadas.  Música com um ritmo e uma pegada maravilhosos, longa, mas de tamanha  qualidade que ao seu final fica a impressão de se ter ouvido uma faixa  de uns três minutos. O desfecho do álbum se dá com “Dyers Eve”, uma  canção matadora em todos os aspectos, de uma rapidez e agressividade  impressionantes, que caberia facilmente no “Kill 'Em All” e que foi  tocada ao vivo pela primeira vez muitos anos após o seu lançamento. As  letras desse álbum mereceriam um outro review somente para elas, dada a  criatividade e teor de crítica social e aos costumes tradicionais que  traziam consigo.
Não é uma questão de dizer que “...And Justice  For All” seja superior a outros trabalhos da banda, sobretudo aos que o  antecederam, ainda mais sendo um disco de andamento geral um pouco mais  lento para os padrões tradicionais do thrash. No entanto, a real  motivação desse texto (longo texto aliás) é fazer justiça e prestar  homenagem a um grande trabalho que nem sempre recebeu toda a importância  que realmente tem, ainda que a quantidade de elogios que se faz a ele  seja bem maior que a quantidade de críticas. Agora, cabe a você dizer  qual é sua opinião. Ele é um álbum realmente injustiçado, recebe a  atenção que merece ou tem mais importância do que deveria? Quem  realmente decide isso é você. Portanto, não deixe de dar a suas  impressões e lembre-se, “justiça para todos”. 

 
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