Zeca Camargo, apresentador do Fantástico da TV Globo, postou recentemente em seu blog sobre sua experiência ao ouvir o disco "Lulu", colaboração musical entre Lou Reed e o Metallica, a ser lançado em 31 de Outubro, e sua entrevista com Lou Reed e Lars Ulrich:
Na última sexta-feira eu estive com Lars Ulrich, do Metallica – que vem tocar aqui, no Rock in Rio, no próximo domingo. Lars é um “velho conhecido” – a primeira vez que o entrevistei foi nos tempos da MTV, quando descobri que o baterista da banda (considerado hoje um dos melhores do mundo) é bom de conversa. Sexta-feira passada, por exemplo, quando ele chegou para a entrevista, quase que imediatamente começou a me contar que o filme que ele mais tinha gostado de ver recentemente era “Senna” – e por uma razão inesperada. O documentário, claro, é muito bom, e emocionou milhões de fãs do piloto pelo mundo desde que foi lançado. Mas Lars gostou mesmo porque ficou envolvido emocionalmente com a história por um detalhe bastante curioso: ele não sabia o final do filme!
Eu mesmo não acreditei quando ele me contou isso. Mas tratou logo de explicar que nunca foi um grande fã de corridas de Fórmula 1 – e que quando Senna morreu naquele acidente de 1994, em Ímola (Itália), ele provavelmente estava em turnê com o Metallica, e não prestou atenção na comoção mundial que essa grande perda causou (e olha que para ter escapado de uma notícia como essa, ele deveria estar realmente “imerso” nos seus concertos…). Lars contava esse caso com a espontaneidade de quem reencontra um grande amigo – coisa que não sou, veja bem: não posso, nem de longe me considerar “íntimo” dos artistas que entrevisto (não tenho essa ilusão, mesmo com aqueles que encontro repetidas vezes). Mas quero apenas passar o registro do nível de descontração que abriu esse encontro – pelo menos até o momento em que meu outro entrevistado do dia adentrou a sala…
Estou falando de Lou Reed.
Ele estava lá não porque estivesse vindo também para o Rock in Rio (quem dera!), mas porque ele acabou de lançar, junto com o Metallica, um dos álbuns mais interessantes que você vai ouvir em 2011 – ou melhor, um dos mais interessantes que você “não” vai ouvir, porque “Lulu” (o nome do trabalho conjunto) é algo muito estranho e diferente, e as pessoas geralmente têm um pouco de medo de coisas assim. Só que é genial – e eu só posso lamentar pela infelicidade de quem não quiser dar pelo menos uma chance a “Lulu”. Os fãs do Metallica certamente vão reconhecer o melhor da banda no disco – texturas musicais e evoluções sonoras que em muitos momentos (como na faixa “Dragon”) supera até trabalhos anteriores do próprio Metallica. E os fãs de Reed, sem dúvida nenhuma, vão identificar a voz gasta do artista que vem nos intrigando desde os tempos do Velvet Underground – que, talvez pela parceria inédita, parece se dedicar com novo fôlego ao estilo que ele mesmo criou e que poderíamos chamar de um “proto-rap”. Mas se ouvirem o álbum com atenção, os admiradores tanto de um lado como o do outro – bem como aqueles que não tem intimidade com nenhuma das partes, mas gostam da boa música – vão encontrar uma obra que é no mínimo instigante.
“Lulu” é uma adaptação de uma adaptação – textos do dramaturgo alemão Frank Wedekind, que pelas mãos de Lou Reed (e seu parceiro, o diretor Bob Wilson), virou uma montagem estupenda em Berlim, que agora virou um disco em colaboração com o Metallica. Como eles mesmos contam, o primeiro encontro entre as duas partes aconteceu em 2009, durante a cerimônia anual do Rock and Roll Hall of Fame, quando eles tocaram juntos alguns clássicos do Velvet. Surgiu então a vontade de estender essa ideia – e quem sabe gravar um disco com outras releituras do repertório (injustamente) esquecido de Reed. Mas aí um dia Reed teve um “estalo” e achou que o Metallica seria ideal para das uma nova cara ao seu trabalho antigo em cima de Wedekind – e pronto: nascia então “Lulu”.
A “criatura” que surgiu disso porém, não é exatamente bonita. Encarnado na voz de uma mulher, Reed leva torturas, tragédias, desespero e sofrimento a um novo patamar – que eu ainda não havia visitado, pelo menos não no universo da música pop. “Lulu” é brilhante – visceral. E tendo ouvido as faixas do álbum que me foram liberadas antes do lançamento oficial do CD (seis delas, no total) durante toda a manhã da última sexta-feira, devo dizer que estava ligeiramente transtornado para o resto do dia. E foi nesse estado de espírito que parti para a entrevista.
Aqueles momentos iniciais com Lars até que serviram como uma boa distração. Mas, retomando aquela hora em que Lou Reed entrou na sala, tenho a declarar eu fui tomado de uma “travação”, como se não tivesse me preparado nem um pouco para a entrevista. Eu estava preparadíssimo, diga-se, mas de alguma maneira, a presença dele naquela sala apertada mexeu comigo. Diante de mim estava um homem não muito alto – aliás, mais para o “baixinho”. Seu rosto era extremamente marcado, mais até do que seus quase 70 anos talvez permitissem. Sorrisos não faziam parte da sua expressão corporal, mas nas poucas palavras que expressou naqueles instantes iniciais, era possível ver que pelo menos alguns de seus dentes eram de platina (ou de algum outro material que se parecia com platina). Indiferente a esses detalhes, seu primeiro pedido foi para ver, no monitor do nosso equipamento, como ele estava fotografando – isto é, queria saber se estava “bem na câmera”. Mesmo com toda essa estranheza – ou talvez até por causa dela – eu me senti totalmente intimidado pela figura de Lou Reed.
Diante de mim, bem ali, estava alguém que significava mais que um “ídolo de rock” – Reed nunca se encaixou confortavelmente nessa categoria –, mas um ícone cultural, um cara que é uma referência não só para a história da música contemporânea, mas para a Arte (com maiúscula mesmo) do nosso tempo. O que seria apenas mais uma entrevista para promover um novo disco – e, talvez, a passagem do Metallica pelo Rock in Rio – assumia, para mim, um novo caráter. Eu tinha ali o desafio de “entreter” um artista maior. E devo dizer que quase não me dei bem.
Reed não tem a “manha” de dar esse tipo de entrevista – afinal, ele é de uma geração que não cresceu com o massivo esquema de marketing que hoje faz parte da carreira de qualquer artista. Mesmo depois que esse “sistema” já estava implantado, ele nunca se sentiu na obrigação de “passar por isso”. Entrevista para ele, eu imagino, é a oportunidade de uma conversa onde se discute assuntos sérios, sobre vida e arte, sobre questões mais fundamentais. E, a julgar pela sua atitude inicial, era essa postura que ele assumiria durante todo nosso encontro.
Era até engraçado. Enquanto Lars se esforçava em responder as perguntas com as informações básicas sobre “Lulu”, Reed parecia fazer questão de “divagar”. Na primeira brecha, me perguntou de quem era a cara estampada na minha camiseta (de ninguém especificamente – era só um desenho anônimo), e começou a divagar sobre aquela figura, sem deixar transparecer se ele estava realmente interessado naquilo ou apenas procurando uma distração para uma situação que ele não achava confortável. Logo depois pareceu incomodar-se com uma câmera extra que era usada pelo nosso cinegrafista – e sugeriu que outra pessoa a segurasse. “Você vai me agradecer por isso”, disse ele, em tom de “missão cumprida”. No geral, ele se comportava como um garoto disperso, que estava ali apenas para apresentar suas últimas arrelias…
Eu – ao mesmo tempo nervoso diante do artista, e concentrado a levar a entrevista adiante – tentava buscar em Lars algum apoio. E o baterista do Metallica, experiente como é nesse tipo de situação, tirava de letra. Mas eu queria mesmo era a atenção de Reed – algo que só consegui, finalmente, quando ele me perguntou se eu conhecia seu parceiro de tantos trabalhos, Bob. Ele se referia, claro, a Bob Wilson – que já citei acima –, um artista respeitadíssimo no mundo todo, e cujo trabalho eu conhecia bem, não só por espetáculos fantásticos que eu tive a oportunidade de ver em viagens (especialmente Nova York, onde ele é um nome quase permanente nas programações do Next Wave, o festival de artes da Brooklin Academy of Music), mas também por uma ótima exposição que ele ganhou recentemente aqui mesmo no Brasil, no Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Nunca agradeci tanto meu interesse por “alta” cultura… Reed, talvez julgando que eu fosse um repórter que só me interessava por música pop, não tinha me dado a menor bola até então, mas mudou de atitude assim que eu citei trabalhos de Wilson que eu já havia conferido – passou, de fato, a conversar comigo. E aí então, a entrevista realmente aconteceu… Daquele momento até o final (ainda teríamos uns quinze minutos juntos) o clima era de total descontração – e eu me senti recompensado pelo esforço. E contente de ter conseguido levar uma conversa, não apenas com um, mas com dois grandes artistas ao mesmo tempo. O resultado disso, claro, você vai ver em breve no “Fantástico”.
Agora, com licença – tenho que me concentrar para falar com outro artista que muito provavelmente vai gerar muito mais tráfego na internet quando sua entrevista for exibida do que Metallica e Lou Reed (e escrevo isso sem o menor juízo de falor, acredite). Justin Bieber, aqui vou eu! Acho que não vai ser uma má maneira de comemorar os cinco anos deste blog – pelo contrário…
Na última sexta-feira eu estive com Lars Ulrich, do Metallica – que vem tocar aqui, no Rock in Rio, no próximo domingo. Lars é um “velho conhecido” – a primeira vez que o entrevistei foi nos tempos da MTV, quando descobri que o baterista da banda (considerado hoje um dos melhores do mundo) é bom de conversa. Sexta-feira passada, por exemplo, quando ele chegou para a entrevista, quase que imediatamente começou a me contar que o filme que ele mais tinha gostado de ver recentemente era “Senna” – e por uma razão inesperada. O documentário, claro, é muito bom, e emocionou milhões de fãs do piloto pelo mundo desde que foi lançado. Mas Lars gostou mesmo porque ficou envolvido emocionalmente com a história por um detalhe bastante curioso: ele não sabia o final do filme!
Eu mesmo não acreditei quando ele me contou isso. Mas tratou logo de explicar que nunca foi um grande fã de corridas de Fórmula 1 – e que quando Senna morreu naquele acidente de 1994, em Ímola (Itália), ele provavelmente estava em turnê com o Metallica, e não prestou atenção na comoção mundial que essa grande perda causou (e olha que para ter escapado de uma notícia como essa, ele deveria estar realmente “imerso” nos seus concertos…). Lars contava esse caso com a espontaneidade de quem reencontra um grande amigo – coisa que não sou, veja bem: não posso, nem de longe me considerar “íntimo” dos artistas que entrevisto (não tenho essa ilusão, mesmo com aqueles que encontro repetidas vezes). Mas quero apenas passar o registro do nível de descontração que abriu esse encontro – pelo menos até o momento em que meu outro entrevistado do dia adentrou a sala…
Estou falando de Lou Reed.
Ele estava lá não porque estivesse vindo também para o Rock in Rio (quem dera!), mas porque ele acabou de lançar, junto com o Metallica, um dos álbuns mais interessantes que você vai ouvir em 2011 – ou melhor, um dos mais interessantes que você “não” vai ouvir, porque “Lulu” (o nome do trabalho conjunto) é algo muito estranho e diferente, e as pessoas geralmente têm um pouco de medo de coisas assim. Só que é genial – e eu só posso lamentar pela infelicidade de quem não quiser dar pelo menos uma chance a “Lulu”. Os fãs do Metallica certamente vão reconhecer o melhor da banda no disco – texturas musicais e evoluções sonoras que em muitos momentos (como na faixa “Dragon”) supera até trabalhos anteriores do próprio Metallica. E os fãs de Reed, sem dúvida nenhuma, vão identificar a voz gasta do artista que vem nos intrigando desde os tempos do Velvet Underground – que, talvez pela parceria inédita, parece se dedicar com novo fôlego ao estilo que ele mesmo criou e que poderíamos chamar de um “proto-rap”. Mas se ouvirem o álbum com atenção, os admiradores tanto de um lado como o do outro – bem como aqueles que não tem intimidade com nenhuma das partes, mas gostam da boa música – vão encontrar uma obra que é no mínimo instigante.
“Lulu” é uma adaptação de uma adaptação – textos do dramaturgo alemão Frank Wedekind, que pelas mãos de Lou Reed (e seu parceiro, o diretor Bob Wilson), virou uma montagem estupenda em Berlim, que agora virou um disco em colaboração com o Metallica. Como eles mesmos contam, o primeiro encontro entre as duas partes aconteceu em 2009, durante a cerimônia anual do Rock and Roll Hall of Fame, quando eles tocaram juntos alguns clássicos do Velvet. Surgiu então a vontade de estender essa ideia – e quem sabe gravar um disco com outras releituras do repertório (injustamente) esquecido de Reed. Mas aí um dia Reed teve um “estalo” e achou que o Metallica seria ideal para das uma nova cara ao seu trabalho antigo em cima de Wedekind – e pronto: nascia então “Lulu”.
A “criatura” que surgiu disso porém, não é exatamente bonita. Encarnado na voz de uma mulher, Reed leva torturas, tragédias, desespero e sofrimento a um novo patamar – que eu ainda não havia visitado, pelo menos não no universo da música pop. “Lulu” é brilhante – visceral. E tendo ouvido as faixas do álbum que me foram liberadas antes do lançamento oficial do CD (seis delas, no total) durante toda a manhã da última sexta-feira, devo dizer que estava ligeiramente transtornado para o resto do dia. E foi nesse estado de espírito que parti para a entrevista.
Aqueles momentos iniciais com Lars até que serviram como uma boa distração. Mas, retomando aquela hora em que Lou Reed entrou na sala, tenho a declarar eu fui tomado de uma “travação”, como se não tivesse me preparado nem um pouco para a entrevista. Eu estava preparadíssimo, diga-se, mas de alguma maneira, a presença dele naquela sala apertada mexeu comigo. Diante de mim estava um homem não muito alto – aliás, mais para o “baixinho”. Seu rosto era extremamente marcado, mais até do que seus quase 70 anos talvez permitissem. Sorrisos não faziam parte da sua expressão corporal, mas nas poucas palavras que expressou naqueles instantes iniciais, era possível ver que pelo menos alguns de seus dentes eram de platina (ou de algum outro material que se parecia com platina). Indiferente a esses detalhes, seu primeiro pedido foi para ver, no monitor do nosso equipamento, como ele estava fotografando – isto é, queria saber se estava “bem na câmera”. Mesmo com toda essa estranheza – ou talvez até por causa dela – eu me senti totalmente intimidado pela figura de Lou Reed.
Diante de mim, bem ali, estava alguém que significava mais que um “ídolo de rock” – Reed nunca se encaixou confortavelmente nessa categoria –, mas um ícone cultural, um cara que é uma referência não só para a história da música contemporânea, mas para a Arte (com maiúscula mesmo) do nosso tempo. O que seria apenas mais uma entrevista para promover um novo disco – e, talvez, a passagem do Metallica pelo Rock in Rio – assumia, para mim, um novo caráter. Eu tinha ali o desafio de “entreter” um artista maior. E devo dizer que quase não me dei bem.
Reed não tem a “manha” de dar esse tipo de entrevista – afinal, ele é de uma geração que não cresceu com o massivo esquema de marketing que hoje faz parte da carreira de qualquer artista. Mesmo depois que esse “sistema” já estava implantado, ele nunca se sentiu na obrigação de “passar por isso”. Entrevista para ele, eu imagino, é a oportunidade de uma conversa onde se discute assuntos sérios, sobre vida e arte, sobre questões mais fundamentais. E, a julgar pela sua atitude inicial, era essa postura que ele assumiria durante todo nosso encontro.
Era até engraçado. Enquanto Lars se esforçava em responder as perguntas com as informações básicas sobre “Lulu”, Reed parecia fazer questão de “divagar”. Na primeira brecha, me perguntou de quem era a cara estampada na minha camiseta (de ninguém especificamente – era só um desenho anônimo), e começou a divagar sobre aquela figura, sem deixar transparecer se ele estava realmente interessado naquilo ou apenas procurando uma distração para uma situação que ele não achava confortável. Logo depois pareceu incomodar-se com uma câmera extra que era usada pelo nosso cinegrafista – e sugeriu que outra pessoa a segurasse. “Você vai me agradecer por isso”, disse ele, em tom de “missão cumprida”. No geral, ele se comportava como um garoto disperso, que estava ali apenas para apresentar suas últimas arrelias…
Eu – ao mesmo tempo nervoso diante do artista, e concentrado a levar a entrevista adiante – tentava buscar em Lars algum apoio. E o baterista do Metallica, experiente como é nesse tipo de situação, tirava de letra. Mas eu queria mesmo era a atenção de Reed – algo que só consegui, finalmente, quando ele me perguntou se eu conhecia seu parceiro de tantos trabalhos, Bob. Ele se referia, claro, a Bob Wilson – que já citei acima –, um artista respeitadíssimo no mundo todo, e cujo trabalho eu conhecia bem, não só por espetáculos fantásticos que eu tive a oportunidade de ver em viagens (especialmente Nova York, onde ele é um nome quase permanente nas programações do Next Wave, o festival de artes da Brooklin Academy of Music), mas também por uma ótima exposição que ele ganhou recentemente aqui mesmo no Brasil, no Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro.
Nunca agradeci tanto meu interesse por “alta” cultura… Reed, talvez julgando que eu fosse um repórter que só me interessava por música pop, não tinha me dado a menor bola até então, mas mudou de atitude assim que eu citei trabalhos de Wilson que eu já havia conferido – passou, de fato, a conversar comigo. E aí então, a entrevista realmente aconteceu… Daquele momento até o final (ainda teríamos uns quinze minutos juntos) o clima era de total descontração – e eu me senti recompensado pelo esforço. E contente de ter conseguido levar uma conversa, não apenas com um, mas com dois grandes artistas ao mesmo tempo. O resultado disso, claro, você vai ver em breve no “Fantástico”.
Agora, com licença – tenho que me concentrar para falar com outro artista que muito provavelmente vai gerar muito mais tráfego na internet quando sua entrevista for exibida do que Metallica e Lou Reed (e escrevo isso sem o menor juízo de falor, acredite). Justin Bieber, aqui vou eu! Acho que não vai ser uma má maneira de comemorar os cinco anos deste blog – pelo contrário…
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